Monday, September 19, 2005

Os imortais

Não me lembro quando a conheci. Mas sei que ela sempre esteve comigo. No ventre de minha mãe, ao lado do meu carrinho de bebê, no colo de meu pai enquanto ouvíamos música.
Antes de sentir as letras sempre senti seu perfume em minha casa.
Quando aprendi a andar, correr e brincar, conheci então sua casa de perto.
Não sabia que a fada que embalava meu sono e me ajudava a dormir morava lá, no castelo da sala de estar, e bem no meio dele...
Aprendi as letras, e assim descobri seu nome, e como já sabia seu endereço a procurei sem saber. Tinha certeza que algo colorido e feliz ela guardava para mim.
Pequena, subi no banco e alcancei sua morada, a janela da estante que guardava Clarice.
E ela, amiga querida, não disse o que o mundo então dizia: “É muito cedo para estes livros”.
Não! Ela tinha livros para mim! Coloridos, engraçados, com coelhos e galinhas. Mas coisas tristes e humanas também. Em nosso mundo, as mulheres já matavam os peixes.
Minha amiga nunca me iludiu.
E assim foi. E assim é. Procuro Clarice desde pequena para que me ajude a compreender a vida, ou ao menos a aceitar seu lindo descabimento.
Passeamos de mão juntas fazendo a Descoberta do mundo, e dalí em diante ela me deixou como quem diz: “Vai e escolhe teu nome, e eu sempre estarei lá.”
E assim segui a navegação.
Na Água viva de Clarice descobri Um sopro de vida entre Belas e feras Para não esquecer minha Via crucis do corpo.
Mais tarde, De corpo inteiro, voltei a Aprendizagem, ou O livro dos prazeres até encontrar minha Hora da Estrela outra vez.
E hoje, talvez mais Perto do coração selvagem, eu já saiba, como diria minha amiga, que: “Meu nome é EU”.
Saudades Clarice, que falta você me faz, quando te procuro na estante e alguém te levou de lá, mas sei que tu retornas e sempre voltarás, pois é meu coração, e não a academia, o lugar dos imortais.

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