Sunday, April 13, 2008

Traçando -se

Ando pensando sobre a vida secreta das traças.
A traça é a verdadeira solidão, ou seria a solidão uma verdadeira traça?
Talvez daí a expressão “jogado ás traças” o que não me parece de todo mal, uma vez que, de acordo com minha mãe, as traças são bichinhos de paladar exigentíssimo.
Diria até elegante.
Ou seja, não engolem, como certas pessoas, qualquer coisa.
Não, as traças roem, delicadamente. Mais ou menos assim: d.e.l.i.c.a.d.a.m.e.n.t.e
E,ao contrário de certos seres, não roem por roer, roem seletivamente.
Traças não roem tecidos de segunda ordem, acrílicos ou sintéticos.
Non, Non, traças gostam de seda pura, linho puro, puro algodão, purezas em geral.
Oui. Traças são puristas!
Ou seja, se você não for puro, não agradará nem as traças!
E não estamos em última ordem no quesito dos roídos, traças, além de elegantes, puristas e refinadas são inteligentíssimas.
Provo.
Tenho por costume , pegar emprestado de algumas traças amigas, alguns livros, dos mais diversos, e é batata! Se o livro for bom tem buraco de traça, se for ruim nem uma dentadinha.
Nesta casa amiga, descobri um exemplar raríssimo de frases do Nelson Rodrigues, literalmente traçado, bem no meio, diria que, quase que na testa do Nelson, um furo, um tiro!
Creio que as traças saibam das coisas...
Talvez por isso vivam na escuridão silenciosa dos armários, e vivam uma vida quase invisível. É raro ver uma traça.
Seres discretíssimos estes, não deixam rastro, como cupins.
Não se importam com o outro.
Apenas vivem, quietas, e bem, sem alarde.
Traçando silenciosamente o seu destino.
Acho que o sucesso é isso.
Uma traça.


Ana Luisa - não me lembro quando

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