Wednesday, April 22, 2009

A ajuda que o Zé me deu...


A morte do Lilinho

Querida filha, só estou escrevendo esse texto porque tu ainda não sabes ler.
Do contrário, eu não escreveria.
É que tu ia ficar bem chateada em saber que o teu peixe, o Lilinho, morreu.
De modo que aquele que está o teu aquário agora, é bem parecido, mas não é o Lilinho.
Tua mãe – as mães são assim –, sem que tu soubesse, resolveu comprar outro e pôr no lugar dele. Foi uma coisa bem rápida filha: tu acordou, contou que o Lilinho estava dormindo de maneira estranha, “de cabeça para baixo”, e logo vimos o tamanho do problema. Dormir e morrer é bem parecido. Só que na morte a gente não precisa mais escovar os dentes pela manhã.Foi então que tivemos que decidir entre te contar a verdade ou driblar o destino. Deixar que essa fatalidade tomasse conta do teu coraçãozinho em formação ou desafiar as possíveis consequências de uma mentira como essa. E se tu notasse? E se tu viesse a perceber a diferença de tamanho? Ou pior, se descobrisse uma nadadeira a menos?Ainda bem que nada disso aconteceu. Ainda bem, filha minha. Teus pais conseguiram adiar minimamente esse sentimento terrível que a perda dá. Usamos um pouco desse poder que dizem que só os deuses tem, e enganamos a morte. Sim, porque só sabe da morte quem fica. Se “pra ti” o Lilinho não morreu é porque “ele” não morreu. Isso eu garanto. Morte não é algo que crianças tem que saber. Crianças, aliás, não deveriam saber de nada ruim – somente que os peixes nadam, que os passarinhos voam, e que os avôs avoam. (Desculpe, filha, não deu para fazer com teu avô o mesmo que foi feito com o Lilinho – ainda bem que tu era bem pequena e nem notou quando ele parou de escovar os dentes de manhã.)“A vida é um curto-circuito entre duas escuridões” – quem disse isso foi um amigo do papai, chamado Vladimir Nabokov, um dia tu há de conhecê-lo. E eu sei que talvez tu demore a compreender o que ele disse, como talvez seja difícil de aceitar (para mim também é). Por isso mesmo é que estou aqui, contando essa história. Para que tu um dia saiba que a tua mãe e o teu pai interferiram no circuito; e deixaram ele menos curto. Fica então uma dica pra ti, sempre que possível, interfere: nada precisa ser como é.
***
O Paulo Sérgio Guedes vai lançar no próximo domingo, às 19h30min, no Dado Bier do Bourbon Country, seu novo livro de poemas: Nada Precisa Ser como É. Como se pode ver, eu roubei a frase. É que a poesia alicia.
Coluna do José Pedro Goulart publicada em Zero Hora, 22 de abril de 2009 e aliciada por mim...

1 comment:

Eliana Guedes said...

ui está belo
fiquei curiosa p saber o que viste no meu desenho

beijo